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28 janeiro, 2013
Jogo em Portugal: Revisão histórica
Apesar do sistémico conservadorismo na nossa sociedade, as mais antigas referências aos jogos de fortuna ou azar em Portugal foram registadas em forma de Lei nos tempos da monarquia. E se D. Dinis "o Lavrador", no século XIII, começou por condenar o jogo falso, D. Afonso IV, no século XIV, proibiu as casas de jogo, uma situação só alterada há menos de 100 anos. Já as lotarias, pelo seu carácter de ajuda social, foram aceites no séc. XVII.
Às nove horas em ponto, as portas da sala das extrações da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foram abertas ao público que aí acorreu em massa nessa manhã de 1 de setembro de 1784. As duas grandes rodas de madeiras construídas por João Francisco Cagniard dominavam o espaço, preparadas para protagonizarem um momento histórico: a primeira extração da Lotaria Nacional. Ao lado de cada uma das rodas, um menino da Santa Casa e, entre cada um deles, uma grande mesa ocupada pelo provedor, que presidia ao complexo e solene sistema de sorteio da primeira lotaria nacional realizada em Portugal, acompanhado por mais irmãos da mesa da instituição.
A uma sonora pancada dada pelo presidente sobre a mesa iniciou-se o sorteio: os dois rapazes levantaram a mão direita, arregaçaram a manga até ao ombro e de palma aberta mostraram a mão ao público. Ao som de nova batida, puseram o braço na respectiva roda, de onde retiraram, simultaneamente, um papelinho cada, que, quando soou a terceira pancada, levantaram no ar para comprovação dos presentes na sala. Ao som da quarta pancada entregaram a dois pregoeiros os papelinhos. Estes cortaram as linhas de fio vermelho e desdobraram os papéis. O primeiro pregoeiro "cantou" o número 6561, seguindo-se o outro a indicar que era um papelinho "branco", ou seja, o número "cantado" não tinha direito a prémio. Este ritual repetiu-se por 22500 vezes, o número de bilhetes emitidos para esta primeira lotaria, vendidos a 6$40 réis cada um, havendo 7833 "em preto" (com prémio).
É fácil perceber que às treze horas, quando a sessão foi encerrada, a extração estava longe de estar concluída. As grandes rodas de madeira foram seladas e ficaram à guarda de um sargento, um cabo e 18 soldados que garantiam a sua inviolabilidade. Foram precisos 34 dias para completar o sorteio que bafejou com a sorte quatro comerciantes, um rapaz de servir, um mestre de obras, um militar, um advogado, um aristocrata e dois indivíduos com profissão desconhecida, indica a lista de premiados da Santa Casa.
Reconhecimento oficial
Mas se a história é rica em pormenores sobre a Lotaria Nacional, criada por decreto de 18 de novembro de 1783 da rainha D. Maria I, o mesmo não se pode dizer das anteriores referências aos jogos de fortuna ou azar. Na sua maioria, encontram-se registadas em letra de lei e, até ao final do século XVII, impera uma atitude repressiva.
Os ventos do renascimento italiano, durante o qual apareceram modernas conceções de lotaria - jogo já conhecido dos antigos egípcios, dos caldeus, dos fenícios, dos chineses e dos romanos - reforçados pelos grandes movimentos de solidariedade e benemerência na Europa seiscentista jogaram a favor das lotarias.
Autorizadas pelo Vaticano desde que parte dos lucros fossem destinados a financiar obras de beneficência e/ou misericórdia, o carácter de imposto indirecto e voluntário transformou-as numa fonte natural de receita para as causas sociais, factor determinante no reconhecimento oficial destes jogos.
Em Portugal, foi D. Pedro II quem deu os primeiros sinais de querer acompanhar a tendência dos monarcas europeus, alguns dos quais tinham já criado lotarias. Por carta régia de 4 de maio de 1688, ordenou que fossem instituídas as lotarias do tipo tontinas, uma espécie de seguro social, com prémios em rendas vitalícias, originalmente promovidas pelo italiano Lourenço di Tonti, na segunda metade do século XVII. De Itália importou-se também o lotto, jogado com 90 números e diversas variantes de apostas progressivas, havendo notícia da realização, a 3 de fevereiro de 1805, de uma lotaria deste género, que os portugueses designaram de quino.
A cedência da organização e exploração da Lotaria Nacional à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em 1783, reflete uma viragem decisiva na posição oficial face ao jogo que desde o século XIV tinha sido alvo de uma atitude repressiva por parte dos monarcas portugueses. Na iniciativa da rainha D. Maria I terá pesado a influência de D. José Carlos de Bragança, 2.º duque de Lafões, que regressado a Portugal em 1777, após a queda do Marquês de Pombal, tinha tomado contacto com as lotarias nas cortes europeias onde viveu.
Primeiros casinos
A tolerância com os jogos de cartas - desde que fossem usadas as fabricadas pelo Contratador do Estanque Real das Cartas de Jogar - e a regulamentação das lotarias não alteraram as leis restritivas que vigoravam relativamente aos jogos de fortuna ou azar. Apesar de existirem referências a este tipo de jogos nos salões do século XVIII, praticados até pela família real, foi preciso esperar pela mudança de regime para que a actividade dos casinos saísse da clandestinidade dos círculos boémios.
Por iniciativa da Repartição do Turismo, criada um ano após a Implantação da República, em 1911, a legalização aconteceu em 1927. Chamando a si a exclusividade do direito à exploração do jogo, o Estado concessionou a sua exploração a empresas privadas. E, desde logo, os impostos cobrados eram canalizados para infraestruturas de desenvolvimento turístico.
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